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CENTRO DE TRADIÇÕES NORDESTINAS

Em 2002 a inauguração de uma loja de CDs musicais no centro de Piracicaba chamou a atenção por conta de uma peculiaridade: os títulos dos discos pertenciam a artistas e bandas regionalistas do nordeste do Brasil que não circulavam pela região do interior de São Paulo. Cantores e grupos de grande popularidade lá atraíram nordestinos que moravam na cidade e que começaram a se conhecer e se reunir. O casal Reinaldo e Fabíola Pousa, da loja de discos, concedeu uma conversa que será a base deste texto. Organizadores do Centro de Tradições Nordestinas de Piracicaba, o CTN, eles trazem o ponto de vista de quem convive com o distanciamento da terra natal e das relações entre os lugares e as pessoas.

Povo

Não existem dados oficiais por parte do CTN de quantos nordestinos, imigrantes e descendentes, vivem em Piracicaba, pois, conforme explicou Reinaldo, é algo que demanda investimentos. A estimativa que faz, pelos contatos em eventos que realiza, é que de 25 a 30% da população seja composta por nordestinos. Dados do IBGE do censo de 2010 estimam que o valor representa 5% da população com 20.672 imigrantes, ocupando o 34° lugar nas cidades do estado de São Paulo com maior número de moradores da região nordeste.

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O sonho de quem deixa a terra e a família no Nordeste e viaja para outros estados do Brasil, majoritariamente São Paulo, é a busca de uma vida melhor. Segundo Reinaldo, entretanto, eles não se desfazem de bens que possuíam antes da empreitada. Se der certo em SP, melhor, se não der, ainda é possível voltar. E por “dar certo”, leia-se: trabalhar, reunir amigos no final do dia e aproveitar eventos como os forrós para confraternização com pessoas que passam pelas mesmas situações de estar num lugar novo e distante dos parentes.  "O que a gente mais sente falta não é da terra mas sim da família” disse Fabíola.

 

A construção civil é o setor que mais absorve os imigrantes nordestinos, seguido de serviços gerais e terceiro setor. Antigamente encontravam-se empregados no corte de cana de açúcar. Hoje há muitos que voltam para a antiga terra, alegando que existe falta de emprego em decorrência do cenário de crise econômica e política que vive o país. Entretanto, existe quem pense que se está ruim aqui, lá está muito pior.

 

Reinaldo Pousa diz que não existe um bairro tipicamente nordestino, embora eles se encontrem em diversos bairros periféricos: Santa Terezinha, Vila Sônia, Tatuapé, Bosque dos Lenheiros. Tanto é que em lanchonetes e bares desses bairros encontram-se facilmente produtos da gastronomia nordestina. Ocorre, também, de ruas comportarem imigrantes de mesmo estado. Então, é comum uma rua de moradores baianos, outra de piauienses, outra de cearenses etc. A reunião se dá por conta de familiares ou conhecidos que já vieram para cá e que optam por permanecerem juntos, tanto por afeto como por serem os primeiros contatos que têm na nova cidade.

 

“A gente aqui [de São Paulo] tem o costume de colocar o nordestino como se fosse o baiano, como se resumisse tudo. Mas não que seja a maioria apesar de ser o maior estado”, comentou Reinaldo. Nos Encontros Nordestinos, em certo momento, os organizadores sugerem que os presentes se reúnam sob as tendas de seus respectivos estados de origem. Como disse Fabíola Pousa, do Piauí, é sempre uma surpresa conhecer conterrâneos. Por outro lado, não gosta de ouvir que nordestino é apenas baiano, e conclui que isso é falta de conhecimento por parte de quem diz.

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Cá e lá

Fabíola Pousa, antes de vir para cá, pensava que Piracicaba era um bairro de São Paulo. Na concepção dela, interior é composto por mato, casas simples, lagos. Ao chegar aqui, em 2003, espantou-se com a urbanização, principalmente de São Paulo capital, cheia de prédios e barulho. Não era o conceito que tinha de interior e considerou um choque toda urbanização paulistana. “Você se acostuma com uma cidade tão pequena em que todo mundo se conhecia e em São Paulo ouve que pessoas são assaltadas no ônibus”, falou. Piracicaba, para ela, não era interior, era também cidade grande.

 

Diferente de outros nordestinos, Fabíola não veio necessariamente em busca de condições melhores de vida. Veio para rever a mãe que já morava na capital paulista havia muito tempo. Uma tia dela morava em Piracicaba e então aproveitou a viagem. Conseguiu um emprego numa livraria da cidade, conheceu o marido e ficou, sem ter retornado ao Piauí, estado de origem, desde então. Fez questão que o casamento, no ano passado, fosse ao estilo nordestino, com direito a abertura com cangaceiros e baião de dois.

 

“Apesar das condições adversas daqui, os serviços são melhores mas a qualidade de vida, não. Posto de saúde lá é igual aqui. Aqui tem pressão todo dia, lá se vive melhor, tem condição de viver com custo de vida menor”, disse Reinaldo. A respeito de viver em comunidades de risco de bairros de periferia, isso também não é muito diferente entre as regiões. “Não muda muita coisa morar em casa de barro lá e aqui. Em escolas e universidades, o acesso é melhor. Vir para SP é buscar condições melhores de vida. O sonho é prosperar mas nem todos pensam em ficar aqui. A maioria não transfere o título de eleitor porque deseja voltar. Nem desfazem patrimônio no nordeste, que muitas vezes fica em mãos de parentes. Quando ficam bem, pegam tudo e voltam embora”, explicou.

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Preconceito

Fabíola comentou que, no período eleitoral, sofreu diretamente preconceito por ser nordestina, com o argumento de que essa região elegeu a presidente Dilma Rousseff. Confessa que não votou no PT e ainda assim é alvo de críticas apenas por ser quem é. Conta que escuta diversos tipos de preconceitos, tais quais que nordestinos são sujos e que não sabem falar. “No Cantagalo as pessoas só falam como nordestino”, disse. Ela evidenciou as diferentes culturas do Nordeste e de São Paulo, principalmente em questões de hábitos e tratamento de pessoas. "Hoje eu tirei um pouco as minhas raízes, o meu sotaque, eu aprendi a ouvir, antes falava muito. Não era falar errado, era regionalismo, de uma palavra que não existia para vocês mas pra mim existia. Me policiei para mudar sotaque, tinha medo de falar e as pessoas rirem de mim".

 

O tema “preconceito” é sempre muito evidente em se tratando de nordestinos, que é um dos temas tratados em palestras para o grupo que veio de lá. Fabíola comentou que o consenso geral é de que os nordestinos vêm para cá por passarem fome onde moram. Apontou que lá nunca sofreu com isso, porém, aqui, quando ficou desempregada, teve a vivência. A associação, segundo ela, é de miséria e de tudo o que ela traz. “Não sei por que o povo fala tanto no nordeste”, desabafou.

 

Centro de Tradições Nordestinas (CTN)

A ideia partiu de Reinaldo que, ao perceber o contingente de nordestinos que morava na mesma cidade que ele, resolveu montar o Centro de Tradições Nordestinas de Piracicaba (CTN), em 2006, espelhando-se no CTN de São Paulo. É uma entidade sem fins lucrativos e com toda renda revertida para a instituição na promoção de eventos. Não conta, também, com apoio de vereadores. Fabíola aponta, inclusive, que alguns destes são nordestinos mas preferem esconder as origens. A arrecadação das festividades tem investimentos em outros eventos, bem como ciclos de palestras para debates de questões como o racismo.

O primeiro evento do CTN, em 2011, reuniu entre 3 e 4 mil pessoas, segundo estimativa. A partir de 2012 a festa foi para a Rua do Porto, tendo no ano passado um público dez vezes maior que na primeira edição, ao longo de três dias. A ideia é a de confraternização não só entre nordestinos, que têm ali um pedaço da terra que ficou longe, mas também de simpatizantes e até curiosos que se encontram com cultura e gastronomia nordestinas. Ainda nos eventos anuais está o Arraiá Nordestino, em julho, e as promoções mensais de forrós na sede do CTN.

Video da entrevista CTN
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